Maná

Entre a proteção e a violência: a legislação e a realidade brasileira

A proteção de crianças e adolescentes é prioridade em qualquer sociedade que busca garantir um futuro justo, baseado na equidade e no cuidado. No Brasil, tal prioridade e proteção é regulamentada por um dos mais avançados e reconhecidos marcos legais do mundo: A Lei 8.069 de 1990, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Em 2024, o ECA comemorou seus 34 anos de existência, marcando mais de três décadas de lutas e conquistas na defesa dos direitos de crianças e adolescentes.

Entretanto, tantos anos de luta não diminuíram o sofrimento e as violências cometidas contra crianças e adolescentes. O Anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2024 traz dados alarmantes sobre os maus tratos contra essa população. 

Os dados comparam os anos de 2022 e 2023 e nos trazem informações sobre diversos tipos de violência. O abandono de incapaz cresceu 22%, a pornografia infanto-juvenil 42,6%, a exploração sexual infantil 24,1%. De 2011 a 2023, os estupros (considerando crianças, adolescentes e adultos) cresceram 91,5%, o que significa que quase dobraram! Desse total, 76% eram vítimas vulneráveis, ou seja, com menos de 18 anos, e 88,2% eram do sexo feminino.

As denúncias de maus tratos também cresceram 30,3% e acontecem, em sua maioria, contra crianças menores de 9 anos (60,9%). As denúncias de agressões no ambiente doméstico também cresceram consideravelmente, chegando a alcançar um aumento de 11,4% contra crianças de 5 a 9 anos de idade. 

Uma problemática crescente tem sido, também, as situações de violência por meio da internet. Os casos de pornografia infantil cresceram 42,6% de um ano para o outro, apresentando um maior número de casos envolvendo adolescentes de 14 a 17 anos (59,6%). Entretanto, o crescimento voltado a situações de pornografia infantil envolvendo crianças de 0 a 4 anos também cresceu 17,1%. O documento reforça que o crescimento se dá, também, em decorrência do aumento dos registros. 

Já os casos de abuso sexual infantil tiveram um aumento de 66,7% para a faixa etária de 5 a 9 anos de idade, uma taxa alta e considerável para uma violência tão dura e que gera tanta indignação na população. 

Tais dados revelam uma realidade pouco acessada por muitas pessoas de nossa sociedade: a violência contra crianças e adolescentes ainda cresce, apesar de todas as legislações e lutas contra um ato tão cruel. 

Ora, se nossa legislação é exemplo para o mundo todo, o que estamos fazendo de errado?

Já diziam os estudiosos acerca da moral e da ética: a regra (lei) não é suficiente quando o sujeito é heterônomo e só a segue em decorrência do medo da punição ou de um outro que o vigia. 

Quanto menos educação, discussão, enfrentamento diante de problemáticas tão complexas, menos sucesso na redução das violências. O judiciário e a segurança pública não serão capazes de erradicar a violência se a sociedade como um todo não agir diante de números tão alarmantes e diante da falta de ação da população acerca de um problema tão complexo.

Não basta achar errado o que acontece na casa do vizinho, é preciso refletir sobre as formas de educação e o cuidado com os próprios filhos, com as crianças e adolescentes da família e conhecidos e intervir quando algo indicar violência ou negligência. 

O próprio ECA nos diz: família, estado e sociedade têm como obrigação garantir que crianças e adolescentes cresçam longe de qualquer forma de negligência, exploração, violência, crueldade ou opressão.

Quer saber como pode contribuir para essa discussão?

Busque saber como anda a Política de Atendimento a Crianças e Adolescentes na sua cidade. Questione o Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente sobre o fluxo de atendimento a vítimas e testemunhas de violência, busque ter conhecimento sobre sua existência e efetividade. Caso não tenha, cobre que os órgãos competentes elaborem e avaliem tais situações em suas comunidades. 

Lembre-se: não basta ter leis, é preciso ação! É preciso prevenção e intervenção! Estes dados não são brincadeira e nos mostram uma sociedade cada vez mais adoecida e com dificuldade em proteger suas crianças e adolescentes.  São 34 anos de luta e de Estatuto da Criança e do Adolescente, mas ainda estamos longe da tão sonhada proteção integral. 

Referências bibliográficas:

BRASIL. Anuário Brasileiro de Segurança Pública. Fórum Brasileiro de Segurança Pública. São Paulo: FBSP, 2024. Disponível em https://publicacoes.forumseguranca.org.br/items/f62c4196-561d-452d-a2a8-9d33d1163af0. Acesso em 20 julho de 2024. 

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