No final do ano nos deparamos com mais um incidente triste e repleto de significados. Em Praga, capital da República Tcheca, uma Universidade foi atacada por um aluno que, a tiros, matou 14 pessoas e deixou outras 25 feridas. Neste caso, o atirador tinha a intenção de tirar a própria vida e já estava sendo investigado horas antes do ocorrido. Entretanto, o ataque em si não foi completamente evitado, gerando toda a tragédia já conhecida.
Outros episódios como esse são de conhecimento da sociedade, especialmente aqueles que aconteceram em nosso país. Recentemente, no ano de 2023, escolas foram atacadas e ameaçadas com uma frequência nunca vista.
Uma pesquisa da Faculdade de Educação da UNICAMP, coordenada pela pesquisadora Telma Vinha e pela mestranda Cleo Garcia, indica que de 36 ataques em escolas brasileiras nos anos de 2001 a 2023, 21 deles aconteceram em 2022 e 2023, ou seja, 58,33%. Essa pesquisa inclui apenas ataques realizados por alunos ou ex-alunos em escolas de educação básica.
A pesquisa também revela que os ataques em que há maior número de feridos e mortos são aqueles realizados com arma de fogo, devido ao seu grande alcance.
Nos EUA, entre janeiro e maio de 2023, houve 201 tiroteios em massa no país, ou seja 1,6 ataque por dia. Esses números se referem a ataques em residências ou espaços públicos, incluindo as escolas. Para ser considerado um massacre, 4 ou mais pessoas são feridas ou mortas.
Mas, o que pode estar por trás dessas ações violentas? Pesquisas sobre o tema e sobre os eventos recentes indicam uma relação dos massacres com ações e pensamentos extremistas, provocados e alimentados por plataformas virtuais em que sentimentos como a raiva, o desprezo, a solidão e a intolerância são cada vez mais propagados de forma livre, pública e com pouca ou nenhuma responsabilização pelos órgãos oficiais.
É certo que identificar e responsabilizar ações virtuais ainda requer grande esforço dos órgãos públicos. Entretanto, é certo também os danos causados por pessoas que, por trás da rede social ou de determinadas plataformas, instiga e incentiva jovens vulneráveis a tais ações violentas, seja por já terem passado por situações de violência, como o bullying, cyberbullying e desejarem vingança ou por viverem realidades violentas em que formas assertivas de resolver problemas pouco foram aprendidas.
Outro fator preocupante é a existência de “subcomunidades virtuais” em plataformas como o Twitter que acabam por reunir pessoas com sentimentos e problemas similares, que incentivam ações de violência contra si mesmo ou contra o outro, de forma que o encontro entre esses jovens é vivenciado como um momento de desabafo e por isso se torna um espaço de pertencimento. Esses encontros favorecem trocas e incentivos de violências extremas como automutilação, transtornos alimentares, ações de cleptomania, assassinatos em série, massacres em escolas, entre outros.
Isso posto, a necessidade de uma regulação e de legislações que busquem cuidar e responsabilizar os autores de violência se torna ainda maior. É com esse objetivo que, em 12/01/2024, foi sancionada a Lei 14.811/2024 que institui medidas de proteção à criança e ao adolescente em ambientes educacionais, prevê a Política Nacional de Prevenção e Combate ao Abuso e Exploração Sexual da Criança e do Adolescente e altera o código penal e o Estatuto da Criança e do Adolescente.
A lei tem alguns pontos principais como o aumento de 2/3 da pena para quem matar uma criança até 14 anos dentro de uma escola; detenção para aqueles que incentivarem práticas de suicídio, especialmente quando são coordenadores ou moderadores de páginas na internet; a criação de uma Politica Nacional de Prevenção e Combate ao Abuso e Exploração Sexual da Criança e do Adolescente, visando ações nacionais coordenadas; a inclusão do bullying e do cyberbullying no código penal; e o fato de passar a se considerar como hediondos os crimes previstos no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).
Apesar de um avanço significativo, não se pode esquecer que apenas a responsabilização não será suficiente para lidar com tais problemáticas, que são multifatoriais e exigem o compromisso de todos aqueles que atuam com crianças e adolescentes. Será preciso ainda mais formação dos profissionais que atuam na promoção e na garantia de direitos, a articulação da rede de proteção e a instituição de protocolos, assim como um trabalho intenso com os usuários dos serviços do SUAS, com os estudantes nas escolas e universidades e com a população em geral, de forma a buscar pela conscientização dos perigos do uso desregulado dessas plataformas, da relação entre a violência extrema e os comportamentos extremistas e da importância de se desenvolver competências sociomorais para lidar com problemas de forma mais assertiva e ética.
Quer saber mais sobre a nova lei e sobre o impacto nos serviços que atendem crianças e adolescentes? Continue acompanhando nossas páginas!
Referências bibliográficas:
BRASIL. Lei 14.811, de 12 de janeiro de 2024. Institui medidas de proteção à criança e ao adolescente contra a violência. Disponível em https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2023-2026/2024/Lei/L14811.htm. Acesso em 15 jan 2024.
LEMOS, B.; OLIVEIRA, L.; AZEVEDO. T. Conteúdo extremos nas redes sociais: as subcomunidades virtuais no Twiter. Disponível em https://nucleo.jor.br/reportagem/2023-09-15-mec-relatorio-ataques-escolas/. Acesso em 17 de set 2023.
VINHA, T., GARCIA, C., NUNES, C. A. A., ZAMBIANCO, D. P., MELO, S. G., LAHR, T. B. S., PARENTE, E. M. P. R., OLIVEIRA, V. H. H., FOGARIN, B. Ataques de violência extrema em escolas: causas e caminhos. São Paulo, D3e, out. 2023.
Artigos de jornais e revistas:
EUA tiveram 1,6 ataque a tiros por dia em 2023 – https://www.bbc.com/portuguese/articles/cd1kye5y7y0o
O que se sabe sobre ataque a tiros que matou 14 pessoas em universidade em Praga – https://www.bbc.com/portuguese/articles/c2jy4z81j5lo